SOBRE
AS REZAS DO BATUQUE
Realmente temos problemas com as rezas.
Primeiramente, precisamos ressaltar que elas foram
transmitidas oralmente e esse tipo de transmissão funciona como a brincadeira
do “telefone sem fio”: cada um que passa, aumenta ou diminui o que está se
passando, da maneira que está escutando. Não há culpados nesse sistema. Falamos
o que escutamos sobre uma língua que não é nossa, o que resulta em vários
vícios de linguagem como, por exemplo, a cacofonia, cacoépia, silabada, etc. De
uma forma ou de outra, as rezas sobreviveram e isso importa muito.
Existem muitos mitos e verdades do que é dito sobre
elas e sobre o idioma Yorùbá, vamos a eles:
a)
As
rezas são uma mixórdia, uma mistura de vários idiomas e dialetos
Acreditar e pregar que em uma frase existe yoruba,
bantu e fon é muito complicado de digerir, pois vai contra as regras de transmissão
oral. No meu entendimento, as rezas são todas em yorùbá. Minha opinião parte do
princípio de uma fala do Ọba do Benin, quando da entrevista dada ao Gilberto
Gil ao questionado sobre Òrìṣà no Vídeo sobre Verger, “O Mensageiro de Dois
Mundos”. Ele afirma, em francês, que é o idioma oficial do Benin e o qual se
está conversando na entrevista: “Se vamos falar sobre Òrìṣà, vou falar em
Yorùbá”. Portanto, a língua Yorùbá é a língua dos Òrìṣà e sempre será. Aliás, a
única língua que conheço, que mistura várias línguas, é o Esperanto.
Também nas rezas não possui nenhuma fonética com o
som de “Z”, portanto, também podemos
descartar qualquer influência Bantu e Fon nelas. Cabe lembrar que no idioma
Yorùbá não existem as letras C, Ç, Q, V, X e Z. Provavelmente, nos dicionários
futuros, algumas destas letras venham a fazer parte do idioma, visto o crescimento
do Islamismo na região e estas pertencem a muitos nomes próprios dos adeptos do
Islã.
Com a mescla da Nação Jèjí com as outras, foram
incorporados nas rezas, os nomes de alguns Voduns como “Averekete”, “Legba” e
“Sakpata”, entre outros, assim como a própria palavra “vodun”, como podemos ouvir
claramente quando cantamos a parte Jèjí de algumas rezas. Na parte de
nomenclatura de Òrìṣà, temos algumas qualidades que provavelmente são Bantu,
como, por exemplo, “Bambalá” para Ọ̀ṣun.
b)
O
Yorùbá que cantamos é arcaico!
Meia verdade! Após a chegada dos negros escravos em
terras brasileiras, o idioma não evoluiu, aliás, sua evolução deu-se de forma
regional, isto é, acabou tendo influências da Terra Brasilis, principalmente em
sua fonética. A língua é dinâmica e sofre influências diariamente, sem falar
nas gírias populares que também são passadas oralmente.
Para se ter uma idéia, Samuel Ajayí Crowter, pastor
Anglicano e nigeriano, transpôs para o papel o idioma yorùbá e publicou seu
dicionário Yorùbá-Inglês em 1843 e até aquele momento, o yorùbá só era
transmitido oralmente e desta forma chegou e foi transmitida aqui no Brasil.
Comparando com dicionários atuais, várias palavras
já caíram em desuso, mudaram o sentido ou se tornaram obsoletas, mas isso não
quer dizer que TODAS as palavras mudaram ou foram extintas. Em sua grande
maioria, as palavras continuam com o mesmo sentido.
c)
Louvo meu Òrìşà com o coração e não com
palavras!
Uma coisa não tem nada a ver com a outra: realmente
não é preciso falar para se fazer uma louvação. Somente pensar já basta. A
religião de um povo fez parte da cultura deste, portanto, temos que observar todos
os aspectos culturais que envolvem a mesma. Louvar seu Òrìşà na língua mãe,
certamente o aproximará mais da essência do próprio culto. Um amigo meu do
Benin, apesar de ser cristão me dizia: "Cantamos para Deus em yorùbá
porque achamos que esta língua é pura, melodiosa e certamente a louvação irá
direto para o céu".
d)
Eu
falo português e aqui no Brasil ninguém fala em Yorùbá!
Não é verdade. Mesmo abrasileirado, fala-se yorùbá
dentro das casas de culto: o nome dos nossos Òrìşà são em yorùbá, os cargos são
em yorùbá, os cânticos são em yorùbá e algumas palavras ditas nas feituras
também, como Borí, Oríbíbọ, Omiẹ̀rọ, isso sem falar nos “ axé”, "oxéu"
e “agôs” da vida.
Apesar de todos os problemas, algumas rezas podem
ser traduzidas. Outras, provavelmente deverão ser traduzidas por aproximação. Nesta
última forma, as rezas deverão ter coerência e uma mensagem compatível com o Òrìşà
em questão. Na minha postagem anterior, eu já havia colocado um exemplo de como
é possível traduzir. Relembrando e dando outros exemplos:
Yoruba: Èṣù Òlóde
Fonética: Exú
Olôdê
Tradução:
Exú, dono das ruas
Yoruba: Èṣù, Èṣù o, Bara Làna.
Fonética: Exú
Exú o Bara Lanã
Tradução: Exú
Exú! Bara abra o caminho.
Yoruba: Èṣù làna fún mi o
Fonética: Exú
lanã fún mi o
Tradução: Exú
abra o caminho para mim
Yoruba: Èṣù làna fún Mọ́lè
Fonética: Exú
lanã fún molé
Tradução: Exú
abra o caminho para os Orixás
Yoruba: Èṣù làna dí burúkú
Fonética: Exú
lanã dí burúkú
Tradução: Exú
abra o caminho e feche o que é ruim
Àgbàdo ọ̀bẹ nfaarà
Fonética: Agbadô
obé nfáára
Tradução: O
milho é a faca que está próxima
Traduzir as rezas do Batuque requer tempo,
paciência e, sobretudo, conhecimento. Não sou o dono da verdade. Não sou o sabe
tudo. Vamos errar, errar e errar. Um dia, acertaremos. O que importa é não
desistir de tentar.